Como imigrei para a Alemanha

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Desde que me mudei para Berlim, é muito comum as pessoas perguntarem sobre o meu processo de imigração. As perguntas variam entre como achar emprego, o processo de visto, o quão difícil é se adaptar etc.

Eu decidi contar um pouco sobre a minha experiência, desde a parte de procurar emprego até tradução de documentos, apostilamento e outras etapas do processo.

Avisos chatos importantes antes de começar

Eu acho importante esclarecer alguns detalhes antes de começar o artigo:

  1. Este artigo não é uma assessoria à imigração. Eu não trabalho na área nem nada do tipo. Só decidi compartilhar minha experiência.
  2. Processos de imigração diferem bastante entre países, mesmo dentro da União Europeia. É importante frisar que, apesar de muitos aspectos serem parecidos, o processo de imigrar para a Alemanha pode ser completamente diferente de outros países. Exemplo: o Canadá exige teste de idioma e de saúde, mas a Alemanha não.
  3. TI é uma área extremamente privilegiada no que concerne à imigração. As burocracias para imigrar como programador são bem diferentes das de um médico ou enfermeiro, já que não precisamos fazer nenhum tipo de prova.
  4. Eu fiz meu processo de imigração em maio de 2018. Pode ser que muita coisa tenha mudado de lá pra cá. Tenha em mente que o processo descrito aqui pode ser diferente do atual. Use este artigo como uma referência, não como verdade absoluta.

Sonho

Morar fora do Brasil sempre foi uma ambição pessoal. Desde criança, meu foco foi o Japão. Depois que terminei a faculdade, comecei a ler e a estudar para entender o que é preciso para mudar de país. Li diversos artigos sobre processos de visto e naturalização para saber se conseguiria cidadania por ascendência italiana ou portuguesa (não rolou).

Eu acabei abrindo mão da ideia de morar no Japão depois de ler sobre os processos de visto, e decidi montar um plano B. Dentre os diversos países que considerei, acabei excluindo alguns pelo processo de imigração ser mais complicado. No Canadá, por exemplo, o imigrante brasileiro precisa fazer um exame médico (fonte) e passar em um teste de idioma, como TOEFL e IELTS. O mesmo vale para a Austrália (fonte).

Na maioria dos países da Europa, ambos requisitos geralmente não se aplicam. Para imigrar pra Alemanha, eu não fiz nenhum desses dois processos.

Além do fator “dificuldade”, também considerei o salário mínimo para imigrar em diversos países, o quão difícil seria me adaptar, entre outros fatores. No fim, eu fiquei entre Holanda e Alemanha. Acabei focando em ambos durante muito tempo, mas o salário mínimo para mudar pra Holanda não condizia com a minha experiência na época, então optei pela Alemanha.

Procurando emprego

O início de toda a jornada começou com a busca de um emprego. Para quem trabalha em TI, existem diversas plataformas para isso, tais como:

  • LinkedIn: é uma ótima plataforma de busca, pois existem vagas em praticamente todos os países do mundo.
  • VanHack: com foco principalmente em vagas no Canadá e EUA, tem um diferencial muito bom em comparação com o LinkedIn. A grande maioria das vagas listadas oferecem patrocínio de visto para o candidato, o que facilita bastante na hora da busca.
  • AngelList: é focado em vagas de TI, porém peca um pouco no número de vagas disponibilizadas quando comparadas aos sites acima. Nem todas as vagas listadas aqui oferecem patrocínio de visto, porém é possível filtrar apenas por vagas que oferecem esse suporte.

Pessoalmente, eu levei um ano procurando por vagas na Alemanha por diversos motivos, desde timidez à falta de experiência quando comecei a busca. Porém, cada pessoa tem um ritmo diferente. Conheço amigos que levaram menos de três meses para conseguir a vaga, e também conheço gente que precisou de um pouco mais de tempo do que eu.

Em abril de 2018, consegui uma vaga em uma empresa de turismo alemã, chamada FTI Touristik. Depois de receber a aprovação e com o contrato de trabalho em mãos, comecei a pesquisar sobre o processo de emissão de visto.

Tipos de visto

Existem vários tipos de visto de trabalho na Alemanha que cobrem diferentes cenários. Desde temporários, como o ICT card, a permanentes, como o Visto de Trabalho (Work Visa) e o Cartão Azul UE (EU Blue Card). Existe também um visto focado em especialistas em TI, mas eu ainda não sei nada a respeito, então não vou abordá-lo neste artigo.

Visto de Trabalho (Work Visa)

Fonte: Make it in Germany - Work visa for qualified professionals

No caso de TI, o visto de trabalho é geralmente o caminho para quem trabalha na área e não possui uma graduação reconhecida na Alemanha. Ele permite que você resida no país pelo tempo de duração do contrato de trabalho + três meses ou quatro anos, se o contrato for ilimitado.

  • Precisa ser graduado? Não, porém cartas de recomendação de empregos anteriores podem ser necessárias para comprovar experiência.
  • Salário mínimo em TI em 2022:
    • Caso tenha menos de 45 anos: não há salário mínimo, porém o salário deve ser equivalente ao salário pago aos alemães.
    • Caso tenha mais de 45 anos: mínimo de 46.530€/ano.
  • Tempo de contribuição para residência permanente (fonte): 48 meses. Nível intermediário em Alemão é obrigatório.

EU Blue Card

Fonte: Make it in Germany - EU Blue Card

Essa é uma opção para quem ganha mais do que o mínimo exigido pelo visto e tem uma graduação reconhecida na Alemanha. Ele pode ser válido por até quatro anos, a depender da duração do seu contrato de trabalho.

A principal vantagem do Blue Card, comparado ao visto de trabalho, é que ele dá direito a residência permanente na Alemanha em até 22 meses ao invés de quatro anos. Além disso, algumas regras são flexibilizadas caso o imigrante decida mudar para outro país da UE no futuro.

  • Precisa ser graduado? Sim. A sua graduação e universidade devem estar na base de dados Anabin, ou ser comparável a uma graduação alemã - falaremos disso mais pra frente.
  • Salário mínimo em 2022:
    • Para quem trabalha na área de matemática, tecnologia da informação, ciências naturais, engenharia ou medicina humana: 43.992€/ano
    • Demais profissões: 56.400€/ano
  • Tempo de contribuição para residência permanente (fonte):
    • 22 meses com alemão intermediário (B1)
    • 33 meses com alemão básico (A1)

Eu fiz minha graduação na Universidade São Judas Tadeu e, felizmente, tanto meu curso quanto a universidade são reconhecidos na base de dados da Anabin. Isso me deu direito a solicitar o Blue Card.

Anabin

Anabin é uma abreviação de Anerkennung und Bewertung ausländischer Bildungsnachweise, que significa reconhecimento e avaliação das qualificações educacionais estrangeiras em português. É uma base de dados que equipara graduações feitas fora da União Europeia com padrões reconhecidos na Alemanha. (Wikipedia - em inglês)

Caso seu curso seja reconhecido e a universidade tenha obtido status H+, você é elegível ao Blue Card.

Como pesquisar

  1. Vamos começar pelo curso. No site, clique em Hochschulabschlüsse (graduação universitária) e no menu superior em Suchen nach Abschlüssen (busca por graduações).
  2. Na tela de pesquisa, busque pela sua graduação em português. A busca pelo nome completo do curso nem sempre funciona. Se você não encontrar nada, tente buscar por palavras. Eu não encontrei nada buscando por Ciência da Computação, mas Computação trouxe o resultado na primeira linha.
  3. Agora vamos procurar pela universidade/faculdade. No menu lateral, clique em Institutionen (instituições) e em Suchen (busca).
  4. Clique em Länderauswahl öffnen (abrir seleção de país) e selecione o país de sua graduação. Clique em Länderauswahl bestätigen (confirmar seleção de país) ao terminar.
  5. Na busca pela universidade, a mesma dica se aplica. Buscar pelo nome completo da universidade nem sempre é eficiente. Universidade São Judas Tadeu traz mais de cinco páginas de resultado, enquanto Tadeu retorna apenas seis linhas.
  6. Se a universidade estiver listada, verifique se o status da universidade é H+. Isso significa que a sua graduação é compatível com a alemã, tornando seu curso válido aqui.

Se esse não for o seu caso, você pode optar por um visto de trabalho, ou solicitar uma declaração de comparabilidade que valida se sua graduação se equipara a uma alemã. Esse não foi meu processo, mas você pode ler mais sobre o assunto aqui.

Como minha graduação é reconhecida, a próxima etapa foi apostilar e solicitar a tradução juramentada do meu diploma.

Apostilamento de Haia

A Apostila de Haia é um acordo feito entre todos os países signatários para simplificar a legalização de documentos em outros países.

Via de regra, diplomas ou qualquer outro documento emitido no Brasil, não têm validade jurídica no exterior. Para que ele tenha essa validade, é necessário legalizá-lo.

Para países não signatários da convenção de Haia (ex.: Canadá), o caminho é através do Ministério das Relações Exteriores (MRE) e pode ser feito gratuitamente no Brasil (fonte), mas envolve bastante burocracia pois envolve duas partes. A primeira com o MRE, e a segunda com o consulado ou embaixada do país de destino. Você pode ler mais detalhes aqui.

O apostilamento faz com que isso seja bem mais simples. Basta fazer reconhecimento de firma de quem assinou o documento e apostilar em qualquer cartório, ou até mesmo online em cartórios digitais.

A Europa inteira é signatária da Convenção de Haia, tornando a legalização mais simples e barata.

Como fazer

Primeiramente, é necessário descobrir onde a firma de quem assinou o documento foi aberta. No meu caso, meu diploma foi assinado pelo reitor. Eu entrei em contato com a universidade e perguntei onde a firma foi aberta. Confirmei com o cartório e fiz ambos procedimentos ali mesmo, o reconhecimento de firma e o apostilamento. Tudo ficou em torno de R$120.

Tradução juramentada

Além de legalizar o documento para uso no exterior, também foi necessário traduzi-lo para alemão. No Brasil, o processo é bem simples. Basta procurar no Google por tradutores em sua região ou checar a lista de tradutores juramentados no site da Embaixada Alemã.

Os valores são tabelados e definidos pela Junta Comercial do seu estado. Os preços de São Paulo podem ser verificados aqui.

Feita a tradução, eu optei por também fazer o reconhecimento de firma e o apostilamento da tradução. Essa etapa não é obrigatória para a solicitação do visto alemão, mas achei melhor já deixar o documento preparado para caso seja necessário no futuro.

Ida ao Consulado

Depois de checar 32767 vezes se eu tinha todos os documentos, fui ao consulado alemão para solicitar o visto. Minha solicitação levou mais ou menos uma semana para ser aprovada.

Infelizmente, muitas coisas mudaram durante a pandemia, então eu não acho tão interessante descrever o processo no consulado, até para evitar confusão.

Como podemos ver neste artigo, imigrar para a Alemanha é relativamente simples depois de conseguir uma vaga. Empresas não precisam de licenças específicas para contratar estrangeiros, como no Reino Unido ou na Holanda. Além disso, foi um processo barato quando comparado a outros países:

  • Tradução juramentada do diploma: em torno de R$150.
  • Apostilamentos e reconhecimento de firmas: cerca de R$160.
  • Taxa de emissão de visto alemão paga ao consulado: €75.
  • Emissão da permissão de residência, paga após minha chegada à Alemanha: €100.
  • Passagem de ida com despacho de mala: valores pagos pela empresa.

Para efeito de comparação, a taxa mais barata que o Reino Unido cobra apenas para a emissão do visto é de $205 (fonte), ou R$1039 na cotação atual. Isso sem contar a tradução de documentos, teste de idioma e a taxa adicional do sistema de saúde britânico.

Existem ainda mais aspectos que posso abordar sobre a minha experiência, desde burocracias, taxas desnecessárias que paguei por não conhecer o processo, registro na cidade, imposto de renda, procurar um apartamento etc. Mas isso fica para um outro post.

Espero que este artigo motive mais pessoas a considerar a Alemanha como um possível destino para imigração. 🙂

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Referências